“Você podia ser minha filha”.
Ana Heloisa Caldas Arnaut cuida da mãe Anna Izabel, que tem Alzheimer, desde 2003. Ela sempre registrou os momentos das duas em fotos e vídeos.
Depois que um destes vídeos viralizou, Ana Heloisa decidiu contar seu dia a dia com a mãe na página “Alzheimer - Minha Mãe Tem”.
Ela fala, com simplicidade e humor, dos momentos do dia a dia. E completa seus depoimentos com informações importantes sobre a doença e os cuidados não só com os afetados, mas também com os cuidadores.
Para Ana Heloisa, uma das melhores coisas de ter criado a página é receber o retorno de pessoas mais jovens. “Eles me dizem: ‘quero ser como você com os meus pais’”, ela conta em entrevista ao BuzzFeed Brasil.
Abaixo, leia algumas das histórias de Ana e sua mãe, ilustradas por fotos das duas:
Mãe era muito falante, adorava conversar e fazer novas amizades. E fazia com a maior tranquilidade. Um dia fomos ao supermercado e subimos de elevador. Quando a porta abriu, o elevador era todo espelhado. Ela não teve dúvida, olhou no espelho com um baita sorriso e cumprimentou ela mesma.
Tinha uma senhora dentro que não entendeu nada. Na hora de sair, ela se despediu da senhora e olhou para o espelho e deu tchau. Aí eu e o Nelson não aguentamos e choramos de tanto rir. E ela ria com a gente.
Devemos aproveitar esses momentos para tornar o dia a dia mais leve. Se não enlouquecemos.
Algumas pessoas comentaram que elas gostam de bebês para cuidar. Minha mãe não gosta. Teve uma vez que fomos na casa de um conhecido e a esposa dele tinha um. Ela trouxe e deu para ela brincar. Ela achou lindo. Então perguntei: “a senhora quer um desse?A Ela na mesma hora me respondeu, balançando as mãos. “Não, é muita responsabilidade”, e entregou o bebe para a dona na mesma hora. kkkkkkkkk
Ela então deitou e ficou comigo um pouco. Mas logo saiu e não voltou mais. Foi para sala, sentar pegar um livro e ficar ali o dia todo, apenas na primeira página. Se chamasse para fazer alguma coisa, dizia “agora não posso, essa leitura está muito interessante”. Se perguntava o que está lendo, ela dizia “você está me atrapalhando”. kkkkkkk Quando resolvia parar, eu perguntava o que a senhora estava lendo de tão interessante? Ela me respondia: “Eu não estava lendo nada”. kkkkkkk
Na fase de repetição ela recitava o dia inteiro. Antes ela perguntava “você conhece essa poesia?” e repetia de novo, de novo, de novo… Quase enlouqueci nessa época. Depois passou a cantar a mesma música. Teve uma fase que contava os números o dia inteiro, que até nós nos pegamos várias vezes contando também.
Sinceramente, até hoje não entendi como ela conseguiu fazer isso. Não sei se repararam, é um lenço que colocou.
“Para falar a verdade, nós somos duas ignorantes. Não conta nada para ninguém”. E ela mesmo começou a rir rsrsrs
Papo de ontem à noite:
Levei ao banheiro como todos os dias, colocamos a fralda, lavamos as mãos e o rosto e fomos para o quarto. Trocamos de roupa e coloquei na cama. Deixei ela com o Nelson e fui buscar o remédio. Escutei ela falar para ele: “Que mocinha rápida, gostei dela”. Quando voltei com o remédio, ela me perguntou:
Mãe: Você gostou de mim?
Eu: Gosto muito. E você gosta de mim?
Mãe: Gostei, você é muito educadinha.
Eu: Muito obrigada.
Mãe: Você quer trabalhar aqui?
Eu: (segurando para não rir) A senhora paga bem?
Mãe: Quê?
Eu: (fazendo gesto com os dedos de dinheiro) A senhora paga bem?
Mãe: Falou algo que não entendi. Mas com uma mão estendida e a outra como se estivesse escrevendo, e balançando a cabeça que sim.
Eu: Entendi, vai assinar a minha carteira né?
Mãe: dando um sorriso diz que sim.
Bem, não estou mais aposentada fui contratada ontem com todos os direitos. kkkkkkkk
Quero apresentar para vocês a minha amiga e vizinha Dani Melote, que sempre me socorreu em momentos difíceis. (…) Segue o relato que ela acabou de me enviar:
“Fico muito feliz em ter a Ana e a Dona Ana como vizinhas. Com elas tive a oportunidade de ver de perto este carinho e dedicação entre as duas assim como aprender um pouco sobre o Alzheimer. É muito legal saber levar os momentos com leveza. Neste tempo muitas coisas aconteceram e alguns momentos me marcaram muito.
Uma vez nós duas estávamos assistindo novela e uma das características da doença é não distinguir se a pessoa na tv ou em uma revista está presente fisicamente conosco. Estávamos olhando para a tela e ela virou para mim com a mão em concha e cochichou:
- Nossa! Que povo mais feio! Parece assombração!
Concordei com ela e começamos a rir, e ela completou:
- Mas se perguntarem a gente diz: “Tá linda! Nossa, mas tá linda!”
Depois de um tempo ela me disse:
- Você é como uma irmã para mim, quando sairmos na rua e alguém perguntar vamos dizer a todos que somos irmãs, eles não nos conhecem e vão acreditar. E quando eu estiver em casa e for sair e papai perguntar aonde eu vou eu digo:
“Vou encontrar com a minha amiga, minha irmã”.
— Você podia ser a minha filha.
— Eu sou sua filha, mãe.
O vídeo que começou tudo tem o diálogo acima e é de um dos papos que as duas batem antes de dormir:
A página, que acaba de completar um mês, é um sucesso estrondoso. E não é difícil entender porquê. <3
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